Tributação disfarçada de dividendos e a volta da distribuição disfarçada de lucros: o PLP 1.087/25 como retrocesso jurídico e fiscal

Tributação disfarçada de dividendos e a volta da distribuição disfarçada de lucros: o PLP 1.087/25 como retrocesso jurídico e fiscal

Em março de 2025, o Governo Federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar nº 1.087/25, com a aparente nobre intenção de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para rendimentos mensais de até R$ 5 mil. O que, à primeira vista, soa como uma conquista para a justiça fiscal, carrega em seu bojo uma manobra que deve ser enfrentada com rigor: a criação de uma nova modalidade de tributação disfarçada de dividendos, o que inevitavelmente conduz à reencenação de um dos episódios mais nefastos da história tributária brasileira — a distribuição disfarçada de lucros (DDL).

O projeto: um aceno social com viés arrecadatório

A proposta parte de uma premissa legítima: a de aliviar a carga tributária sobre a base da pirâmide. Contudo, ao invés de realizar a necessária e justa revisão da tabela progressiva do IR, o governo optou por uma engenharia fiscal tortuosa e tecnicamente frágil. Para equilibrar a renúncia fiscal causada pela isenção até R$ 5 mil, o PLP 1.087/25 cria um novo critério de ajuste na declaração do IRPF que, na prática, reintroduz a tributação de dividendos sem o ônus político de assumir isso claramente perante a sociedade e o empresariado.

A medida ignora a regra vigente desde 1996, determinada pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95, que isenta os dividendos da tributação na pessoa física, ao alegar que a renda já foi tributada na pessoa jurídica. O PLP, porém, não revoga essa regra — apenas a contorna, aplicando sobre os lucros distribuídos uma nova incidência baseada na alíquota máxima do IRPJ, de 34%, mesmo quando o contribuinte é pessoa física, cujo limite legal é de 27,5%.

A engenharia do disfarce: onde mora a inconstitucionalidade

Essa manobra legislativa, além de obscurecer a real intenção do governo, compromete a segurança jurídica e a coerência do sistema tributário. O que se apresenta como ajuste de alíquota revela-se uma tentativa de tributar rendimentos sob a aparência de lucros, tratando de forma idêntica situações absolutamente distintas: o capital passivo de um investidor e o esforço ativo do trabalho de um sócio.

Nas sociedades de pessoas — em especial, nas limitadas e nas optantes pelo Simples Nacional — os lucros distribuídos são muitas vezes a única forma de remuneração dos sócios que, diferentemente de acionistas de grandes corporações, atuam diretamente na operação da empresa. O PLP ignora essa realidade e impõe um modelo de apuração desconectado da origem econômica do rendimento, tributando trabalho como se fosse capital, e penalizando o pequeno empreendedor em nome de um equilíbrio fiscal artificial.

A volta da distribuição disfarçada de lucros

A consequência lógica e previsível será o renascimento da distribuição disfarçada de lucros, figura que se tornara praticamente obsoleta desde a isenção dos dividendos em 1996. A reintrodução de um ambiente de insegurança e fiscalização subjetiva incentivará práticas como:

  • pagamento de despesas pessoais pelos CNPJs (carro, aluguel, viagens);
  • simulação de empréstimos entre sócios e empresas;
  • majoração artificial de custos operacionais;
  • retirada de lucros mascarada sob outras rubricas.

Essas práticas, longe de serem defendidas, são sintomas da disfuncionalidade do sistema que o PLP ajudará a recriar. Em vez de simplificação e transparência, teremos uma nova era de fiscalização invasiva, contencioso tributário inflado e criminalização do empreendedorismo por omissão do Estado em legislar com coerência.

Disfarçar dividendos é fragilizar a economia real

As sociedades empresárias de pessoas representam a imensa maioria do ecossistema empresarial brasileiro. São contadores, dentistas, advogados, pequenos varejistas, prestadores de serviço — gente que trabalha de sol a sol para manter a empresa viva. Ao equiparar a distribuição de lucros desses empreendedores à remuneração de acionistas de grandes corporações de capital aberto, o projeto desconsidera completamente a realidade concreta do mercado.

Mais do que isso: desincentiva a formalização e a regularidade fiscal. O sócio que se vê punido por declarar lucros de sua pequena empresa pode muito bem optar por caminhos obscuros. Isso não é evasão, é sobrevivência diante de um Estado que tributa a boa-fé.

Alternativas possíveis: revogar com clareza e respeitar a diversidade empresarial

A saída não é a maquiagem tributária. O governo deve, se quiser de fato tributar dividendos, revogar expressamente o artigo 10 da Lei nº 9.249/95, com todas as consequências políticas e econômicas que essa medida acarreta. E deve fazê-lo diferenciando os tipos societários e os regimes de apuração.

Não se pode tratar como iguais empresas de capital aberto que distribuem dividendos milionários com base em lucros auditados e empresas familiares que retiram R$ 5 mil por mês para manter as contas em dia. Uma abordagem sensata exigiria:

  • tributação progressiva de dividendos acima de determinados limites;
  • manutenção da isenção para lucros apurados no Simples Nacional;
  • dedutibilidade da remuneração do trabalho dos sócios, com parâmetros objetivos;
  • estímulo à transparência contábil e fiscal, não à perseguição fiscalista.

Conclusão: entre a retórica social e o retrocesso técnico

O PLP 1.087/25 tenta agradar a base eleitoral com a promessa de justiça fiscal, mas sacrifica a coerência técnica, a segurança jurídica e a eficiência econômica. Em vez de enfrentarmos com coragem o debate sobre como tributar o capital, o governo preferiu se esconder atrás de um mecanismo complexo, que penaliza os pequenos e lança o país novamente na era da DDL — uma era de conflitos, desconfiança e litígios.

Ainda há tempo para corrigir o rumo. O Congresso Nacional, a sociedade civil organizada e os especialistas em Direito Tributário devem atuar juntos para barrar esse retrocesso disfarçado de virtude. Não se constrói justiça fiscal com atalhos. E não se governa um país em cima de disfarces.

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