A reforma tributária, com a sanção da Lei Complementar nº 214/2025, reestrutura completamente a cobrança de tributos sobre o consumo no Brasil. Um dos setores mais diretamente afetados é o de bares, restaurantes e lanchonetes, agora sujeitos a um regime específico de tributação.
Se você atua no setor, este artigo traz um guia prático e direto, com explicações acessíveis e embasadas na lei, para entender como funcionará o novo modelo.
O Que Muda na Tributação de Alimentação Fora do Lar
Tributos Envolvidos
Com a nova lei, os antigos PIS, Cofins, ICMS e ISS serão gradualmente substituídos por dois tributos:
- CBS (federal)
- IBS (estadual e municipal, unificado)
No regime comum, esses tributos seguem a lógica da não cumulatividade (possibilidade de usar créditos das compras). Mas o setor de bares e restaurantes entrou em um regime especial com regras próprias.
Principais Regras do Regime Específico
Aplicação do Regime (Art. 273)
O regime específico aplica-se ao fornecimento de alimentação por:
- Bares
- Restaurantes
- Lanchonetes
Também inclui bebidas não alcoólicas preparadas no local, como sucos naturais e cafés.
O Que Fica de Fora?
Três situações não entram no regime específico e seguem o regime comum (com possibilidade de crédito para os clientes):
- Fornecimento de alimentação sob contrato com empresas, como refeições coletivas.
- Exemplo: refeitórios industriais, fornecimento por contrato fixo.
- Venda de produtos alimentícios prontos, adquiridos de terceiros e não preparados no local.
- Exemplo: salgadinhos embalados, refrigerantes em lata.
- Bebidas alcoólicas, mesmo se forem preparadas na casa.
- Exemplo: drinks, cerveja artesanal própria, vinhos servidos no restaurante.
Essas operações serão tributadas normalmente e os adquirentes (clientes) poderão se creditar do IBS/CBS nessas situações.
Base de Cálculo (Art. 274)
A base de cálculo do IBS e da CBS será o valor total da operação, excluindo:
- Gorjetas repassadas integralmente aos empregados (limite de 15% da conta).
- Comissões ou taxas retidas por plataformas de entrega, como iFood ou Rappi.
Exemplo prático:
- Conta total: R$ 150
- Gorjeta: R$ 15 (10%)
- Plataforma reteve: R$ 20
Base de cálculo: R$ 115
Alíquota Reduzida (Art. 275)
A alíquota aplicada às operações no regime específico terá uma redução de 40% sobre a alíquota padrão.
Exemplo:
Se a alíquota cheia da CBS + IBS for 25%:
- A alíquota aplicada para o setor será 15%.
Isso representa uma economia significativa, mas com restrições importantes que veremos a seguir.
Proibição de Créditos para Clientes (Art. 276)
Quem consome refeições ou bebidas em bares e restaurantes não poderá se creditar do IBS/CBS pago nessas operações.
Isso inclui:
- Empresas que bancam refeições de executivos.
- Profissionais que almoçam em viagens e tentam aproveitar o valor como crédito tributário.
Importante: Esta regra não se aplica às operações fora do regime específico, como refeições fornecidas sob contrato. Nesses casos, o creditamento é permitido.
Como Fica a Tributação das Bebidas Alcoólicas
As bebidas alcoólicas não entram no regime específico (Art. 273, §2º, III). Com isso:
- Não há redução de alíquota.
- A tributação segue o regime normal, com alíquota cheia (sem desconto de 40%).
- Os clientes poderão se creditar, se forem contribuintes no regime regular.
Exemplo:
Se um cliente consome um prato + uma taça de vinho:
- A alimentação (regime específico) será tributada com alíquota reduzida, sem crédito para o cliente.
- O vinho (regime normal) será tributado com alíquota cheia, com possibilidade de crédito para o cliente.
A venda de bebidas alcoólicas gera crédito porque não está no regime específico de bares e restaurantes.
Veja o que diz o Art. 273, §2º, III:
§ 2º Não está sujeito ao regime específico de que trata esta Seção o fornecimento de:
[…]
III – bebidas alcoólicas, ainda que preparadas no estabelecimento.
O que isso significa na prática?
As bebidas alcoólicas ficam no regime regular de IBS e CBS.
E no regime regular, a regra geral da LC 214 é que:
- As operações são não cumulativas (Art. 2º).
- Portanto, o adquirente pode se creditar do IBS/CBS pago nessas compras, salvo exceções expressas (e essa não é uma delas).
Onde isso está embasado na lei?
Art. 2º, caput:
O IBS e a CBS são informados pelo princípio da neutralidade, segundo o qual esses tributos devem evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica…
E reforçado pelo fato de que o Art. 276 veda crédito somente para o que estiver no regime específico:
Art. 276. Fica vedada a apropriação de créditos do IBS e da CBS pelos adquirentes de alimentação e bebidas fornecidas pelos bares e restaurantes, inclusive lanchonetes.
Como bebidas alcoólicas não estão no regime específico, essa vedação não se aplica a elas.
E o Creditamento nas Compras do Restaurante?
A Lei não veda que os bares e restaurantes se creditem de IBS/CBS nas compras de insumos, mesmo estando no regime específico.
Ou seja, o estabelecimento poderá aproveitar créditos sobre:
- Alimentos comprados de fornecedores.
- Bebidas não alcoólicas prontas.
- Energia elétrica.
- Aluguéis e serviços tomados.
Mas atenção: isso vale somente se as compras forem utilizadas na atividade tributada.
Exemplo Completo
Um restaurante vende:
- Prato de comida (R$ 100)
- Suco natural (R$ 10)
- Vinho (R$ 40)
- Gorjeta: R$ 15 (10%)
- Total cobrado: R$ 165
Tributação:
- R$ 110 (comida + suco): regime específico, alíquota reduzida, sem crédito para o cliente.
- R$ 40 (vinho): alíquota cheia, com crédito para o cliente.
- R$ 15 (gorjeta): fora da base, se repassada conforme a lei.
Conclusão:
A reforma tributária trouxe simplificação e redução de carga para bares e restaurantes, mas também restrições importantes, como a proibição de crédito para os clientes nas vendas feitas sob o regime específico.
Por outro lado, produtos como bebidas alcoólicas ficaram fora desse regime e permitem crédito para os adquirentes. Isso abre espaço para estratégias fiscais lícitas.
Uma possibilidade prática é a criação de combos promocionais que combinem alimentação (tributada com alíquota reduzida, mas sem direito a crédito) com bebidas alcoólicas (tributadas à alíquota cheia, mas com crédito).
Ao estruturar o preço do combo de forma que a bebida alcoólica represente uma fatia maior do valor total, o restaurante oferece ao cliente um produto atrativo e, ao mesmo tempo, potencializa o crédito tributário do adquirente — especialmente em ambientes corporativos.
Isso exige atenção na composição de preços, emissão correta de notas fiscais e separação clara dos itens, mas pode representar uma vantagem competitiva inteligente na nova realidade tributária.
O Que os Estabelecimentos Precisam Fazer:
✔️ Separar claramente os itens vendidos por regime (alimentação, sucos, bebidas alcoólicas).
✔️ Manter controle da base de cálculo, excluindo gorjetas e taxas de entrega.
✔️ Aproveitar os créditos nas compras de insumos, mesmo estando no regime específico.
✔️ Orientar clientes corporativos sobre a não possibilidade de crédito em refeições avulsas.
✔️ Avaliar a viabilidade de fornecimento sob contrato, quando possível, para manter o crédito dos adquirentes.