A Reforma Tributária trouxe uma mudança profunda na forma como as operações com bens e serviços serão tributadas no Brasil.
Com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o país caminha para um modelo de tributação baseado na neutralidade e simplicidade, substituindo tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins.
Mas afinal, em que situações o IBS e a CBS incidem? Ou seja, quando nasce a obrigação de pagar esses tributos?
É exatamente isso que o artigo 4º e 5º da LC 214/2025 definem — e entender esse ponto é essencial para qualquer empresário, contador ou consultor tributário.
O que são as “hipóteses de incidência”
De forma simples, a hipótese de incidência é o fato que gera o tributo.
Por exemplo:
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Quando alguém vende um produto, há incidência de IBS e CBS.
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Quando presta um serviço, também há incidência.
Ou seja, o foco não é mais no tipo de empresa, mas sim na operação em si — se ela é onerosa (há pagamento, contraprestação, troca ou benefício em troca).
O que a Lei diz (Art. 4º da LC 214/2025)
O artigo 4º estabelece que:
“O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.”
Isso significa que toda operação que envolva uma troca com valor econômico — seja em dinheiro, em bens ou direitos — gera a obrigação de pagar o tributo.
A lei detalha o que considera “operação onerosa”. São exemplos:
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Compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento;
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Locação de bens (sim, agora locações passam a ser tributadas!);
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Licenciamento, cessão ou concessão de uso de direitos (como royalties, softwares, marcas, patentes, etc.);
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Mútuo oneroso (empréstimos com juros);
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Doação com contraprestação (por exemplo, doação que gera algum benefício ao doador);
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Instituição onerosa de direitos reais (como usufruto, servidão, etc.);
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Arrendamento, inclusive mercantil (leasing);
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Prestação de serviços em geral.
Exemplos práticos
Exemplo 1 – Venda de mercadoria:
Uma loja vende um celular por R$ 3.000,00.
→ Há contraprestação em dinheiro, então incide IBS e CBS sobre o valor da venda.
Exemplo 2 – Locação de imóvel comercial:
Uma empresa aluga um galpão por R$ 10.000,00 mensais.
→ A locação é uma operação onerosa, logo incide IBS e CBS, mesmo não havendo “venda”.
Exemplo 3 – Licenciamento de software:
Uma startup licencia o uso de seu sistema para um cliente.
→ O licenciamento é uma operação com contraprestação → incide IBS e CBS.
Exemplo 4 – Empréstimo com juros:
Uma empresa empresta R$ 100.000,00 a outra e cobra juros de 2% ao mês.
→ O mútuo oneroso é considerado operação com contraprestação → também incide IBS e CBS.
Operações não onerosas (Art. 5º da LC 214/2025)
O artigo 5º traz situações em que há incidência mesmo sem contraprestação direta, ou quando o bem é fornecido a valor inferior ao de mercado.
Isso é importante para evitar planejamentos artificiais de elisão fiscal.
A lei cita quatro hipóteses principais:
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Fornecimento gratuito ou a valor inferior ao de mercado, quando expressamente previsto.
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Brindes e bonificações, exceto quando constarem na nota fiscal sem depender de condição posterior.
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Transferência de bens a sócio ou acionista (exemplo: devolução de capital em bens ou distribuição de dividendos “in natura”).
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Operações entre partes relacionadas, quando o valor for artificialmente reduzido.
Exemplo prático:
Uma empresa distribui aos seus sócios equipamentos de informática que haviam gerado crédito de IBS e CBS quando comprados.
→ Essa operação gera nova incidência, mesmo sendo uma devolução de capital, porque há transferência de bem que originou crédito.
Detalhe importante: irrelevância da forma jurídica
O §3º do art. 4º deixa claro que não importa o tipo de contrato ou o nome dado à operação.
O que vale é a realidade econômica.
Ou seja:
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Não importa se a transação é chamada de “comodato oneroso”, “doação compensada”, “contrato de colaboração” — se houver contraprestação, haverá incidência tributária.
Essa regra fecha brechas para planejamentos tributários disfarçados.
Operações fora da atividade habitual
O §4º do mesmo artigo vai além:
Mesmo que a operação não seja parte da atividade principal da empresa, se houver fornecimento de bem ou serviço com contraprestação, IBS e CBS incidem.
Exemplo:
Uma indústria vende uma máquina antiga de seu ativo imobilizado.
→ Mesmo não sendo “venda de mercadoria habitual”, há incidência de IBS e CBS sobre essa alienação.
Relação com ITBI e ITCMD
O §5º do artigo 4º traz um ponto de segurança jurídica:
A incidência do IBS e da CBS não altera as bases de cálculo do ITBI e do ITCMD.
Ou seja, não há dupla tributação sobre o mesmo fato gerador.
O que muda na prática para as empresas
- Tudo que tiver valor econômico envolvido, direto ou indireto, passa a ser tributado.
- A distinção entre “mercadoria” e “serviço” perde força — tudo é tratado de forma uniforme.
- Planejamentos baseados em “doações simuladas” ou “locações gratuitas” passam a ser de alto risco fiscal.
- A contabilidade e o jurídico das empresas precisarão revisar contratos e operações internas para evitar autuações.
Orientação prática para empresários e contadores
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Revise contratos de locação, licenciamento e mútuo — mesmo os antigos.
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Mapeie todas as operações não habituais (venda de ativo, permuta, cessão de direitos, etc.).
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Evite operações com valor simbólico ou inferior ao mercado entre partes relacionadas.
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Planeje o crédito e débito de IBS e CBS para não pagar tributo desnecessariamente.
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Treine o setor fiscal e contábil para identificar todas as hipóteses de incidência.
Resumo Final
A Reforma Tributária busca simplificar o sistema, mas também ampliar a base de incidência.
O IBS e a CBS atingem praticamente todas as operações econômicas onerosas, inclusive locações, licenciamento de software, arrendamentos e fornecimentos entre partes relacionadas.
Com informação e estratégia, o empresário pode adequar seus contratos e operações, garantindo segurança jurídica e eficiência tributária.