A distribuição desproporcional de lucros entre sócios é uma prática legítima, amparada pelo artigo 1.007 do Código Civil, que autoriza tal possibilidade desde que expressamente prevista no contrato ou estatuto social. No entanto, o que deveria ser um instrumento de flexibilidade e justiça na alocação de resultados dentro de sociedades empresariais, especialmente nas familiares, tem sido alvo de intensos questionamentos por parte do Fisco e, agora, também do Judiciário.
A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 1089011-58.2023.8.26.0053, reforça a linha de interpretação da Fazenda Pública de que a simples previsão contratual não é suficiente. A ausência de um propósito negocial concreto e comprovado pode resultar na requalificação da operação como doação disfarçada, sujeita à incidência do ITCMD.
Neste artigo, como tributarista e consultor de famílias empresárias, trago não apenas um resumo técnico da discussão, mas também minha análise crítica e recomendações práticas para empresários que desejam se beneficiar desta ferramenta sem incorrer em riscos fiscais severos.
A Legalidade da Distribuição Desproporcional: O Que Diz a Lei?
A previsão do artigo 1.007 do Código Civil é clara: a regra geral é que a distribuição de lucros entre os sócios deve obedecer à proporção de suas quotas de capital, salvo disposição contratual em sentido contrário. Ou seja, a liberdade contratual é respeitada, e é plenamente lícito que sócios pactuem uma divisão diferente daquela determinada pelo capital social.
Contudo, o que temos visto na prática — especialmente em empresas familiares — é a banalização do instituto. Muitos utilizam a distribuição desproporcional como atalho para evitar tributos, esvaziando o caráter negocial da operação. Nesses casos, a Receita Federal e os fiscos estaduais passam a olhar a operação sob outra ótica: a de um ato de liberalidade.
O Caso Julgado pelo TJ-SP: Quando o Planejamento Vira Simulação
A decisão da 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP trouxe à tona uma situação emblemática: em uma empresa familiar, os pais — que detinham 98% do capital — receberam apenas 10% dos lucros, enquanto os filhos — com 2% do capital — ficaram com 90%. O contrato social permitia essa possibilidade. Mas a pergunta feita pela Sefaz-SP foi certeira: qual era o propósito negocial da operação?
Sem resposta convincente, a conclusão foi inevitável: doação disfarçada. A tributação do ITCMD, nesse caso, foi mantida. A decisão traz implicações profundas: a legalidade da previsão contratual não basta. É a materialidade e a motivação da operação que sustentam sua legitimidade tributária.
Minha Visão Técnica: A Liberdade Contratual Deve Ser Respeitada, Mas Precisa de Lastro Real
Como advogado que atua há mais de 15 anos na área tributária e no planejamento de estruturas empresariais e familiares, posso afirmar com segurança: a distribuição desproporcional de lucros é uma ferramenta legítima, útil e necessária, sobretudo em sociedades onde nem todos os sócios contribuem da mesma forma.
Por exemplo, é absolutamente razoável que um sócio que não aportou capital, mas que trabalha intensamente na gestão da empresa, receba uma fatia maior dos lucros, desde que isso esteja formalizado e tenha um contexto de negócio claro, mensurável e justificado.
Contudo, o que vejo com frequência é o uso dessa ferramenta como atalho sucessório, tentando evitar o pagamento de ITCMD ao “doar” lucros aos filhos por meio de participações mínimas. Essa é uma armadilha que tende a se tornar cada vez mais arriscada diante do novo cenário jurisprudencial e legislativo.
O PLP 108/2024 e o Futuro da Tributação
Embora o texto final aprovado pela Câmara tenha retirado a previsão expressa de incidência de ITCMD sobre a distribuição desproporcional sem propósito negocial, o debate legislativo acendeu um alerta vermelho: a tendência é de maior controle e fiscalização sobre operações societárias que possam ocultar doações.
A decisão do TJ-SP é um reflexo disso: o Fisco não precisa mais de uma norma específica para requalificar uma operação. Basta comprovar a ausência de razão de negócio e presença de liberalidade. Em outras palavras, a substância prevalece sobre a forma — um princípio que tem sido cada vez mais aplicado na jurisprudência tributária.
Recomendação: Como Agir com Segurança
Empresário, especialmente se você comanda uma empresa familiar, não ignore esse cenário. A distribuição desproporcional de lucros pode, sim, ser uma ferramenta estratégica poderosa, mas exige:
- Previsão expressa no contrato social ou estatuto.
- Justificativa negocial concreta e plausível.
- Documentação robusta, como atas, acordos de sócios e demonstrações contábeis que sustentem a decisão.
- Evitar favorecimentos gritantes a sócios com participações mínimas, sem vínculo com o negócio ou sem atuação relevante.
Conclusão: Transparência e Propósito são os Novos Pilares do Planejamento
O caso analisado não deve ser visto como um impeditivo, mas como um alerta. Planejamento sucessório e patrimonial exige inteligência jurídica, transparência e, acima de tudo, propósito. Operações feitas apenas para evitar tributos, sem substrato negocial, tendem a ser desconsideradas.
Na Reduza Tributos, nossa missão é justamente construir planejamentos que resistam a questionamentos — porque são baseados em lógica empresarial, respaldo legal e segurança documental. Não se trata de evitar tributo a qualquer custo, mas de pagar o justo, dentro da lei e com tranquilidade jurídica.
Se você tem dúvidas sobre como estruturar sua empresa familiar ou deseja segurança em suas decisões societárias e sucessórias, entre em contato. Vamos construir juntos uma estrutura sólida, legítima e blindada contra autuações.